quarta-feira, 11 de maio de 2011

Thomas Kuhn (1922–1996)

Filósofo da ciência americano. Kuhn nasceu no Ohio, e estudou física em Harvard antes de o seu livro The Structure of Scientific Revolutions (1962) se tornar uma das mais influentes obras modernas de história e filosofia da ciência. Como Alexandre Koyré (1892–1964) e os autores franceses Bachelard e Jean Cavaillès (1903–44), Kuhn sublinhou que a história da ciência não consiste numa acumulação progressiva e sem saltos de dados e de teorias bem sucedidas, sendo antes o resultado de rupturas, passos em falso e constrangimentos da imaginação que reflectem muitas variáveis diferentes. Segundo esta perspectiva, durante os períodos normais a ciência opera dentro de um quadro de assunções conhecido por paradigma, mas nos períodos excepcionais e revolucionários um paradigma velho fracassa e, após um período de competição, é substituído por um novo. O processo assemelha-se a uma mudança de gestalt, que a muitos filósofos pareceu ter implicações inquietantes para a racionalidade e objectividade da ciência. The Copernican Revolution (1957, A Revolução Copernicana, 1990) e Sources for the History of Quantum Physics (1967) são algumas das outras obras de Kuhn. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)

Karl Popper (1902–1994)

Filósofo da ciência. Ficou famoso com o seu primeiro livro Logik der Forschung (1935, trad. ing. The Logic of Scientific Discovery, 1959), no qual destrói as tentativas tradicionais de fundamentar o método científico no apoio que a experiência proporciona às generalizações e às teorias adequadamente construídas. Acentuando as dificuldades que o problema da indução põe a qualquer método desse género, Popper propõe como alternativa uma epistemologia que parte da formação arrojada e imaginativa de hipóteses. Estas enfrentam o tribunal da experiência, que tem o poder de as falsificar mas não de as confirmar. Uma hipótese que sobreviva a tentativas de refutação, pode ser provisoriamente aceite como "corroborada", mas jamais se lhe pode atribuir uma probabilidade. Este ponto de vista tornou-se extremamente popular entre os cientistas, que reconheceram o valor que Popper dá à teorização imaginativa e à refutação paciente, reagindo com satisfação à ideia redentora de que apresentar uma teoria que seja depois refutada não é um defeito, mas uma virtude. Os filósofos têm sido mais cautelosos, fazendo notar que algo parecido com a indução parece estar envolvido quando depositamos confiança em teorias bem corroboradas. Ninguém faz uma viagem de avião só porque a conjectura de que ele se sustenta no ar é imaginativa e arrojada. Contudo, muitos pensadores aceitam, no essencial, a solução popperiana para o problema da demarcação entre a verdadeira ciência e as suas imitações — designadamente, que a primeira apresenta teorias genuinamente falsificáveis, ao passo que as segundas não. Embora o conceito de falsificação seja mais complexo do que Popper pensava no início, a sua tese congrega as objecções que muitas pessoas têm a ideologias como a psicanálise e o marxismo. A influente obra The Open Society and Its Enemies (1945, trad. A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, 1993) e The Poverty of Historicism (1957), onde atacou o ponto de vista de que há leis históricas fundamentais que tornam inevitável o progresso, são algumas das obras de Popper de carácter social e histórico. Na primeira, Popper ataca esta crença, que associa ao totalitarismo antiliberal que encontra em Platão, Hegel e Marx, embora não seja claro que a sua leitura destes filósofos faça justiça às rigorosas restrições éticas que eles colocam aos sistemas políticos racionais que exploram. Popper associa a virtude política, tal como a virtude científica, à possibilidade da livre investigação, apenas sujeita a restrições que minimizem a possibilidade da aceitação de maus sistemas. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ciências da Natureza vs. Ciências Humanas

Atualmente a contraposição entre ciências da natureza e ciências humanas perdeu muito do seu significado. (...) Eis algumas das razões que contribuíram para essa mudança de atitude:

· A própria ciência da natureza reconhece hoje que o seu ideal de exatidão, de objetividade e de previsão determinista não é alcançável;
· A própria ciência da natureza adquiriu a consciência do seu carácter histórico, da sua destinação social e dimensão humana; no fundo reconhece-se também ele como ciência humana, como obra do homem. Tem-se hoje consciência de que toda a explicação e toda a teoria científica são construídas no elemento e no horizonte de vetores de compreensibilidade histórica e culturalmente determinados (...);
·O projeto clássico da objetividade científica está comprometido pelo princípio de complementaridade posto em evidência pelas próprias teorias científicas no início deste século. O sujeito está implicado no objeto e o objeto no sujeito. O ato de observação não é um ato neutro e puro, imune à intervenção da subjetividade. A posição do observador afeta a natureza do fenómeno observado. O próprio fenómeno e experiência são determinados pelas categorias, processos metodológicos, instrumentos utilizados, etc.
· Os cientistas e epistemólogos têm hoje consciência de que a ciência da natureza não usa apenas a prova das suas verificações experimentais e das suas deduções teóricas, mas recorre também a argumentos retóricos, do mesmo tipo dos que utilizam as ciências humanas(...);
· O reconhecimento da complexidade da realidade que, por um lado, revela as falhas das nossas ciências, as quais constituem, por assim dizer, pequenas ilhas de conhecimento num vasto oceano de incertezas; e, por outro lado, exige cada vez mais o reconhecimento da interdependência dos saberes e a colaboração interdisciplinar entre cientistas de diferentes domínios;

[Tudo isto leva] à criação de um novo paradigma de cientificidade:

"A distinção dicotómica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade. Esta distinção assenta numa conceção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os conceitos de ser humano, cultura e sociedade Os avanços recentes da física e da biologia põem em causa a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre seres vivos e matéria inerte e mesmo entre o humano e o não humano. (...) O conhecimento do paradigma emergente tende, assim, a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se finda na superação das dicotomias tão familiares e óbvias que até há pouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa. Este relativo colapso das distinções dicotómicas repercute-se nas disciplinas científicas que sobre elas se findaram. Aliás, sempre houve ciências que se reconheceram mal nestas distinções e tanto que tiveram de se fraturar internamente para se lhes adequarem minimamente. Refiro me à antropologia, à geografia e também à psicologia. Condensaram-se nelas privilegiadamente as contradições da separação entre ciências naturais/ciências sociais" (Boaventura Sousa Santos, Um Discurso sobre as Ciências, pp.37-40).


SANTOS, Leonel Ribeiro e outros, Introdução à Filosofia - 11º Ano, p.104.

1. Explicite o sentido da seguinte frase do texto:" A própria ciência da natureza reconhece hoje que o seu ideal de exatidão, de objetividade e de previsão determinista não é alcançável."
2. "Os cientistas e epistemólogos têm hoje consciência de que a ciência da natureza não usa apenas a prova das suas verificações experimentais e das suas deduções teóricas, mas recorre também a argumentos retóricos, do mesmo tipo dos que utilizam as ciências humanas (...)" Concorda com a posição do autor no que diz respeito a esta problemática. Justifique a sua opinião.
3. Descreva de uma forma sucinta em que se traduz o paradigma emergente de que nos fala Boaventura de Sousa Santos.

domingo, 13 de março de 2011

Conhecimento vulgar e Conhecimento Científico

Ficha de trabalho
Disciplina: Filosofia
Tema - Estatuto do Conhecimento Científico – os diferentes modos de conhecer e os níveis de conhecimento
Ano/turma: 11º
Professor: M.V.F.
Data: 13-03-11

Conhecimento vulgar e Conhecimento Científico

«Ao passarmos de ideias elementares para as ideias abstractas, de juízos superficiais a outros mais profundos, fazemos a passagem da aparência das coisas para a sua realidade. Ao considerar o conhecimento, devemos fazer sempre uma distinção entre aparência e realidade – entre os fenómenos particulares que são imediatamente evidentes à observação e os processos ocultos, interconexões e leis que se manifestam nas aparências e estão na base dos factos observados. A tarefa de conhecer as coisas é sempre avançar das aparências para a realidade, assim como conseguir saber mais acerca do movimento real e interconexões das coisas, manifestas na sua existência particular e modo aparência.

Cornford, Materialismo Dialéctico.

1. Tendo presente o conteúdo do texto, elabore uma reflexão onde torne evidentes as diferenças entre o conhecimento vulgar e conhecimento científico.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A origem do conhecimento segundo Kant


O nosso conhecimento provém de duas fontes fundamentais do espírito, das quais a primeira consiste em receber as representações (a receptividade da impressões) e a segunda é a capacidade de conhecer um objecto mediante estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira é-nos dado um objecto; pela segunda é pensado em relação com aquela representação (como simples determinação do espírito).

Intuição e conceitos constituem, pois os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem conceitos sem intuição que de qualquer modo lhe corresponda, nem uma intuição sem conceitos podem dar um conhecimento.

Se chamarmos sensibilidade à receptividade do nosso espírito em receber representações na medida em que de algum modo é afectado, o entendimento é, em contrapartida, a capacidade de produzir representações ou a espontaneidade do conhecimento. (...) Sem a sensibilidade, nenhum objecto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas. Pelo que é necessário tornar sensíveis os conceitos ( isto é, acrescentar-lhes o objecto na intuição) como tornar compreensíveis as intuições ( isto é, submetê-las aos conceitos).

Kant, Critica da Razão Pura



1. Quais são, na perspectiva de Kant, as fontes do nosso conhecimento?

2. Qual o papel desempenha cada dessas fontes no conhecimento?

3. Explique a seguinte afirmação de Kant: "Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas."

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Os pressupostos do empirismo filosófico


O empirismo (de empeiria = experiência) opõe à tese do racionalismo (segundo a qual o pensamento, a razão, é a verdadeira fonte de conhecimento), a antítese que diz: a única fonte do conhecimento humano é a experiência. Na opinião do empirismo, não há qualquer património a priori da razão. A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tábua rasa, uma folha em branco onde a experiência escreve. Todos os nossos conceitos, incluindo os mais gerais e abstractos, procedem da experiência. Enquanto o racionalismo se deixa levar por uma ideia determinada, por uma ideia de conhecimento, o empirismo parte dos factos concretos. Para justificar a sua posição, recorre à evolução do pensamento e do conhecimento humanos. Esta evolução prova, na opinião do empirismo, a alta importância da experiência na produção do conhecimento. A criança começa por ter percepções concretas. Com base nessas percepções chega, paulatinamente, a formar representações gerais e conceitos. Estes nascem, por conseguinte, organicamente da experiência. Não se encontra nada semelhante a esses conceitos que existem completos no espírito ou se formam com total independência da experiência. A experiência apresenta-se, pois, como a única fonte do conhecimento.

Enquanto os racionalistas procedem da matemática a maior parte das vezes, a história do empirismo revela que os seus defensores procedem quase sempre das ciências naturais. Isto é compreensível. Nas ciências naturais a experiência representa o papel decisivo. Nelas trata-se sobretudo de comprovar exactamente os factos mediante uma cuidadosa observação. O investigador está completamente entregue à experiência. É muito natural que quem trabalha de preferência ou exclusivamente com este método das ciências naturais, tenha tendência para de antemão colocar o factor empírico sobre o racional. Enquanto que o filósofo de orientação matemática chega facilmente a considerar o pensamento como a fonte única do conhecimento, o filósofo que vem das ciências naturais tenderá para considerar a experiência como fonte e base de todo o conhecimento humano.

J. Hessen, Teoria do Conhecimento, Almedina


1. Explique o alcance da seguinte afirmação: "Na opinião do empirismo, não há qualquer património a priori da razão. A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência".

2. Discuta a cumplicidade existente entre o empirismo e as ciências naturais.

3. Produza um texto onde torne evidentes as principais diferenças existentes entre a concepção empirista e o racionalismo filosófico.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Descartes: o itinerário filosófico


1. Dúvida
"[...] admiti anteriormente como absolutamente certas e manifestas muitas coisas que, entretanto, depreendi depois serem duvidosas. Que coisas foram estas? A Terra, o Céu, os Astros, e todas as coisas que recebi pelos sentidos. Mas o que compreendia eu delas, com clareza? As próprias ideias ou pensamentos de tais coisas, que se apresentavam ao meu espírito. E ainda agora não contesto que estas ideias estão de facto em mim. [...] Mas que mais? Quando considerava nos temas da Aritmética e da Geometria coisas absolutamente simples e fáceis, como dois mais três são cinco, e equivalentes, não as intuí pelo menos bastante claramente para afirmar que são verdadeiras? Posteriormente, só fiz o juízo de que se devia duvidar delas porque me vinha ao espírito que possivelmente um certo Deus podia ter-me dado uma tal natureza que eu também me enganasse sobre aquelas coisas que parecem mais manifestas. Mas sempre que esta opinião sobre o poder supremo de Deus, concebida anteriormente, me ocorre, não posso deixar de confessar que a ele lhe é fácil, se o quiser, conseguir que eu erre também naquilo que intuo do modo mais evidente pelos olhos do espírito."

2. Cogito
"[...] persuadi-me que não havia absolutamente nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos. Não me persuadi também de que eu próprio não existia? Pelo contrário, eu existia com certeza se me persuadi de alguma coisa. Mas há um enganador, não sei qual, sumamente poderoso, sumamente astuto, que me engana sempre com a sua indústria. No entanto, não há dúvida de que também existo, se me engana; que me engane quanto possa, não conseguirá nunca que eu seja nada enquanto eu pensar que sou alguma coisa. De maneira que, depois de ter pesado e repesado muito bem tudo isto, deve por último concluir-se que esta proposição Eu sou, eu existo, sempre que proferida por mim ou concebida pelo meu espírito, é necessariamente verdadeira."

3. Deus
a) " ... é manifesto, pela luz natural, que deve haver pelo menos tanta realidade objectiva na causa ... como no efeito da mesma causa. Porque, pergunto, de onde pode o efeito tirar a sua realidade, a não ser da causa? E de que modo poderia ela conferir-lha se não a possuísse também? Daqui se segue que nem algo pode provir do nada, nem também aquilo que é mais perfeito, isto é, que contém em si mais realidade, daquilo que contém menos perfeição."

b) "Quanto ao que é claro e distinto nas ideias das coisas corpóreas, parece-me que alguma coisa poderia ser tirada da ideia de mim mesmo ... De maneira que só resta a ideia de Deus, na qual se deve considerar se há alguma coisa que não pudesse provir de mim próprio. Pelo nome de Deus compreendo uma certa substância infinita, independente, sumamente inteligente, omnipotente, e pela qual foram criados quer eu mesmo, quer tudo o resto que existe, se é que alguma coisa existe. O que, sem dúvida, é tão notável que quanto mais cuidadosamente atento nessa ideia tanto menos parece que eu possa tirar só de mim a sua origem. E, por conseguinte, do atrás dito deve concluir-se que Deus existe necessariamente. Porque, embora pela razão de eu ser uma substância esteja em mim uma certa ideia de substância, no entanto, como sou finito, não seria a ideia de uma substância infinita, a não ser que procedesse de outra substância que fosse realmente infinita."

c) "Agora parece que enxergo um certo caminho pelo qual se é conduzido desta contemplação do Deus verdadeiro ... ao conhecimento de todas as outras coisas. Em primeiro lugar, reconheço que é impossível que ele me engane alguma vez, porque em toda a falácia ou logro se descobre alguma imperfeição. E embora poder enganar pareça ser uma certa prova de subtileza de espírito ou de poder; querer enganar atesta, sem dúvida nenhuma, malícia ou fraqueza de espírito: o que, por isso, não pertence a Deus. A seguir, verifico que há em mim uma certa faculdade de julgar que, certamente, recebi de Deus, como todas as restantes coisas que há em mim; e, porque ele não me quer enganar, com certeza não ma deu tal que, quando rectamente a uso, possa errar alguma vez."

4. Ideias inatas
"E agora, depois de ter notado o que se deve evitar e o que se deve fazer para atingir a verdade, parece-me que nada é mais urgente do que emergir das dúvidas em que caí nos dias precedentes e ver se posso conhecer algo de certo sobre as coisas materiais.E, na verdade, antes de inquirir se tais coisas existem for a de mim, devo considerar as ideias delas, na medida em que estão no meu pensamento, e ver quais são as distintas e quais são as confusas. Assim, imagino distintamente a quantidade, que os filósofos chamam vulgarmente quantidade contínua, ou seja, a extensão desta quantidade ou, melhor, de uma coisa maior ou menor, segundo o comprimento e largura e a profundidade. Nela posso contar várias partes e atribuir-lhes toda a espécie de grandezas, figuras, situações e movimentos locais, e a estes movimentos quaisquer durações. E não conheço apenas perfeitamente e com evidência estas coisas, assim genericamente consideradas. Além disso, se presto atenção, concebo também inúmeras particularidades sobre as figuras, o número, o movimento, e coisas semelhantes, cuja verdade é tão clara e tão consentânea com a minha natureza que, logo que as começo a descobrir, parece-me que não aprendo qualquer coisa de novo, mas que, ao contrário, me recordo do que já anteriormente sabia: ou seja, que presto atenção, pela primeira vez, a coisas que há muito tempo já estavam dentro de mim, sem que eu antes tivesse dirigido para elas a minha atenção."

Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira

Este texto de Descartes permite-nos entender o circuito fundamental do pensamento do filósofo, já que assenta na explicitação dos seus conceitos fundamentais: a dúvida, o cogito, Deus e as ideias inatas.

Os pressupostos do racionalismo filosófico


A posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento humano, chama-se racionalismo (de ratio = razão). Segundo ele, um conhecimento só merece na realidade este nome quando é logicamente necessário e universalmente válido. Quando a nossa razão julga que uma coisa tem que ser assim e que não pode ser de outro modo, que tem de ser assim, portanto, sempre e em todas as partes, então, e só então, nos encontramos ante um verdadeiro conhecimento, na opinião do racionalismo. Um conhecimento desse tipo apresenta-se-nos, por exemplo, quando formulamos o juízo "o todo é maior do que a parte", ou o juízo "todos os corpos são extensos". Em ambos os casos vemos com evidência que tem de ser assim e que a razão se contradizia a si mesma se quisesse sustentar o contrário. E porque tem de ser assim, é também sempre e em todas as partes assim. Estes juízos possuem, pois, uma necessidade lógica e uma validade universal rigorosa.

Pelo contrário, sucede uma coisa muito diferente com o juízo "todos os corpos são pesados", ou no juízo "a água ferve a 100 graus". Neste caso só podemos ajuizar que é assim, mas não que tem de ser assim. É perfeitamente concebível que a água ferva a uma temperatura inferior ou superior; e também não significa uma contradição interna representar-se um corpo que não possua peso, pois a nota do peso não está contida no conceito do corpo. Estes juízos não têm, pois, necessidade lógica. E mesmo assim falta-lhes a rigorosa validade universal. Podemos julgar unicamente que a água ferve a 100 graus e que os corpos são pesados, até onde podemos comprová-lo. Estes juízos só são válidos, pois, dentro de limites determinados. A razão disto é que, nestes juízos, encontramo-nos limitados à experiência. Isto não acontece nos juízos primeiramente citados. Formulamos o juízo "todos os corpos são extensos" representando o conceito de corpo e descobrindo nele a nota da extensão. Este juízo não se funda, pois, em qualquer experiência mas sim no pensamento. Daqui resulta, portanto, que os juízos fundados no pensamento, os juízos que procedem da razão, possuem necessidade lógica e validade universal; os outros, pelo contrário, não a possuem. Todo o verdadeiro conhecimento se funda deste modo – assim conclui o racionalismo –, no pensamento. Este é, por conseguinte, a verdadeira fonte e base do conhecimento humano.

Uma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo à interpretação racionalista do conhecimento. Não é difícil dizer qual é: é o conhecimento matemático. Este é, com efeito, um conhecimento predominantemente conceptual e dedutivo. Na geometria, por exemplo, todos os conhecimentos derivam de alguns conceitos e axiomas supremos. O pensamento impera com absoluta independência de toda a experiência, seguindo somente as suas próprias leis. Todos os juízos que formula, distinguem-se, além disso, pelas características da necessidade lógica e da validade universal. Pois bem; quando se interpreta e concebe todo o conhecimento humano em relação a esta forma de conhecimento, chega-se ao racionalismo.

J. Hessen, Teoria do Conhecimento, Almedina


1. O texto de J. Hessen torna evidente as principais características do racionalismo. Seleccione do mesmo, cinco adjectivos que tornem evidente a especificidade desta corrente filosófica.

2. Produza um pequeno texto onde evidencie a cumplicidade entre o racionalismo e o pensamento matemático e geométrico.