sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ciências da Natureza vs. Ciências Humanas

Atualmente a contraposição entre ciências da natureza e ciências humanas perdeu muito do seu significado. (...) Eis algumas das razões que contribuíram para essa mudança de atitude:

· A própria ciência da natureza reconhece hoje que o seu ideal de exatidão, de objetividade e de previsão determinista não é alcançável;
· A própria ciência da natureza adquiriu a consciência do seu carácter histórico, da sua destinação social e dimensão humana; no fundo reconhece-se também ele como ciência humana, como obra do homem. Tem-se hoje consciência de que toda a explicação e toda a teoria científica são construídas no elemento e no horizonte de vetores de compreensibilidade histórica e culturalmente determinados (...);
·O projeto clássico da objetividade científica está comprometido pelo princípio de complementaridade posto em evidência pelas próprias teorias científicas no início deste século. O sujeito está implicado no objeto e o objeto no sujeito. O ato de observação não é um ato neutro e puro, imune à intervenção da subjetividade. A posição do observador afeta a natureza do fenómeno observado. O próprio fenómeno e experiência são determinados pelas categorias, processos metodológicos, instrumentos utilizados, etc.
· Os cientistas e epistemólogos têm hoje consciência de que a ciência da natureza não usa apenas a prova das suas verificações experimentais e das suas deduções teóricas, mas recorre também a argumentos retóricos, do mesmo tipo dos que utilizam as ciências humanas(...);
· O reconhecimento da complexidade da realidade que, por um lado, revela as falhas das nossas ciências, as quais constituem, por assim dizer, pequenas ilhas de conhecimento num vasto oceano de incertezas; e, por outro lado, exige cada vez mais o reconhecimento da interdependência dos saberes e a colaboração interdisciplinar entre cientistas de diferentes domínios;

[Tudo isto leva] à criação de um novo paradigma de cientificidade:

"A distinção dicotómica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade. Esta distinção assenta numa conceção mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os conceitos de ser humano, cultura e sociedade Os avanços recentes da física e da biologia põem em causa a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre seres vivos e matéria inerte e mesmo entre o humano e o não humano. (...) O conhecimento do paradigma emergente tende, assim, a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se finda na superação das dicotomias tão familiares e óbvias que até há pouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa. Este relativo colapso das distinções dicotómicas repercute-se nas disciplinas científicas que sobre elas se findaram. Aliás, sempre houve ciências que se reconheceram mal nestas distinções e tanto que tiveram de se fraturar internamente para se lhes adequarem minimamente. Refiro me à antropologia, à geografia e também à psicologia. Condensaram-se nelas privilegiadamente as contradições da separação entre ciências naturais/ciências sociais" (Boaventura Sousa Santos, Um Discurso sobre as Ciências, pp.37-40).


SANTOS, Leonel Ribeiro e outros, Introdução à Filosofia - 11º Ano, p.104.

1. Explicite o sentido da seguinte frase do texto:" A própria ciência da natureza reconhece hoje que o seu ideal de exatidão, de objetividade e de previsão determinista não é alcançável."
2. "Os cientistas e epistemólogos têm hoje consciência de que a ciência da natureza não usa apenas a prova das suas verificações experimentais e das suas deduções teóricas, mas recorre também a argumentos retóricos, do mesmo tipo dos que utilizam as ciências humanas (...)" Concorda com a posição do autor no que diz respeito a esta problemática. Justifique a sua opinião.
3. Descreva de uma forma sucinta em que se traduz o paradigma emergente de que nos fala Boaventura de Sousa Santos.